quarta-feira, 9 de setembro de 2009

ENSINANDO REGÊNCIA CORAL

ENSINANDO REGÊNCIA CORAL por Eduardo Lakschevitz

Introdução
O objetivo deste estudo é investigar algumas possibilidades de temas visando à montagem do conteúdo programático da Classe de Regência Coral, do Instituto Villa-Lobos/UNI-RIO, uma vez que, recentemente, comecei a lecionar tal classe, bem como assumi a responsabilidade pela disciplina. Após analisar as ementas dessa matéria em duas universidades cariocas, me surge como fator de fundamental importância o estabelecimento de prioridades com relação aos assuntos tratados na mesma.

Entre os elementos envolvidos na formatação desse curso, alguns têm natureza invariável, como a duração de dois semestres do curso (que podem ser consecutivos ou não), a carga horária (30 horas semestrais) e o espaço físico (uma sala com piano, quadro negro e alguns espelhos). Outros são flexíveis, como o número de alunos aceitos por semestre, a colocação desse curso na grade curricular geral do aluno (há poucos pré-requisitos), o sistema de avaliação e o conteúdo programático.

Como, então, organizar esse programa de forma que, nas condições descritas acima, promova o desenvolvimento técnico do aluno, mas que seja também incentivador da criatividade e flexibilidade cada vez mais necessárias ao profissional de música nos dias de hoje? Qual dessas propostas é a mais importante? Como desenvolver uma ordem de prioridades num curso tão curto? Os alunos, em sua grande maioria, são matriculados no curso de licenciatura, para quem o conteúdo dessa cadeira pode se transformar numa eficiente ferramenta de trabalho, mas também, facilmente pode se encaixar numa prateleira com o rótulo “coisas que precisei aprender, mas que nunca mais usarei”.

Aqueles que, eventualmente, trabalharão como regentes de coro, provavelmente iniciarão suas atividades profissionais à frente de grupos de cantores inexperientes, fato no qual reside uma das principais questões do presente estudo: a regência de um grupo coral implica na comunicação de idéias do regente para o coro que, para existir, pressupõe um código em comum entre as partes envolvidas. Ora, se o resultado final de toda essa atividade é uma mensagem auditiva que o grupo (sob a liderança do regente) transmite ao seu ouvinte, a comunicação entre regente e coro deve ser de natureza não-verbal. O código em comum de que falamos relaciona-se, então, com gestos e movimentos.

Freqüentemente mencionada por Phillip Tagg, a dificuldade do mundo acadêmico em entender aspectos subjetivos da prática musical, “uma vez que gostamos mais de números e letras” (Tagg, 1999), é perfeitamente ilustrada nesse curso, do qual são esperados conteúdo, metodologia e avaliação para uma atividade duplamente subjetiva – primeiro por se tratar de música, e, mais ainda, por se tratar de representação não-sonora dessa música.

Na verdade, essa dificuldade incomoda também outros autores, como podemos perceber nas palavras de Samuel Kerr (1): “Outro dia fui solicitado a programar um Curso de Regência Coral.

Imaginem a minha dificuldade. Não acredito em curso de regência. Regência coral não se ensina! Quando muito, se ensinam padrões de regência, convenções estabelecidas, que foram funcionais em algum momento”. E também de Barry Green (1999): “Sinto que há algo de injusto em tentar ensinar certo ofício (ou aptidão) através de palavras. Aprendemos muito mais quando aprendemos através de nossos sentidos e experiência”. (2)

A questão do pouco tempo letivo disponível também deve ser encarada com grande consideração, mas, na verdade, é uma das características da vida social pós-moderna, tal como defendida por Domenico de Masi (2000), onde os espaços de tempo para atividades de trabalho em conjunto serão cada vez menores. É uma situação enfrentada pelo professor da Classe de Regência Coral, mas que provavelmente afetará cada aluno que vier a reger um grupo coral. Mesmo no ambiente da música orquestral a escassez de tempo se faz digna de nota: “algumas das maiores habilidades do regente moderno são demonstradas nos ensaios, que, em função de seus custos, são sempre poucos, especialmente nos Estados Unidos...” (Harvard Dictionary, 1986, p.192). (3)

Antes de mais nada, urge pensarmos um pouco nas principais atribuições do regente coral; nas funções da atividade para a qual o aluno se dispõe a iniciar um processo de preparação (que, uma vez engajado, terá caráter permanente).

A função do regente coral
Uma história curiosa me foi relatada pela violinista britânica Micaela Comberti (4), em uma de suas visitas ao Brasil. Disse ela que há algum tempo aceitara convite de uma universidade norte-americana para dirigir um concerto com repertório do período barroco. No texto da carta-convite, a expressão “to lead an orchestra” foi utilizada. Depois de longa viagem, ao
chegar ao teatro da universidade para seu primeiro ensaio, encontrou já montados um pódio e uma estante de regente, o que lhe causou grande estranheza. Acontece que a expressão “to lead an orchestra” é normalmente utilizada na Inglaterra para designar a função do spalla da orquestra que dirige um concerto ao mesmo tempo em que toca seu instrumento, atividade muito comum em grupos que executam repertório barroco ou mesmo clássico. Por um outro lado, também na Inglaterra, o termo “to conduct an orchestra”, denota a figura do maestro no
pódio (a quem alguns autores chamam de “regente moderno”). Aparentemente essa diferença sintática não é tão marcante nos Estados Unidos, o que gerou o engano. Depois de desfeito o mal-entendido, a violinista dirigiu o concerto da maneira com a qual estava mais acostumada.

Independente da forma, da posição do regente diante do conjunto, ou mesmo da utilização ou não de um instrumento, vale ressaltar que sua capacidade para liderar a orquestra foi o elemento mais importante da atividade que realizou.

Essa questão sintática na língua inglesa é, ainda, muito interessante se levarmos em consideração uma opinião de John Eliott Gardiner, que faz analogia à eletricidade ao descrever a atividade em questão:

“a palavra ‘conductor’ (5) é muito significativa pois a idéia de uma corrente sendo realmente passada de uma esfera para outra, de um elemento para outro é muito importante, e é também grande parte do trabalho e da arte do regente” (Nakra, 2000). (6)
Aqui, a idéia de transmissão de mensagens do regente para seu grupo soma-se à capacidade de liderança como a principal função do regente.

Em O ócio criativo, texto no qual procura mostrar o fim da sociedade industrial e início de uma nova era dita pós-moderna, Domenico de Masi (2000) apregoa uma mudança radical nas relações de trabalho. A figura do gerente como supervisor do processo criativo não seria mais necessária uma vez que, através de uma série de mudanças que já podemos perceber em nossa sociedade, o próprio executor do trabalho seria capaz de fazê-lo diretamente, cortando, assim, pelo menos uma camada hierárquica nas instituições. De todos os focos de resistência a esse processo de mudança, um dos mais fortes seria o corporativismo. Seguindo o autor, gerentes não abrirão mão facilmente de seus postos, mesmo cientes de sua potencial inutilidade
(Masi,1999).

Se imaginarmos a situação acima no microcosmo de um grupo coral, onde o regente se equipara ao gerente descrito, poderemos chegar a uma ótica mais aproximada da função real do regente. Perceberemos que este deve se esforçar constantemente para identificar quais de seus procedimentos são absolutamente necessários no exercício de sua liderança, tornando, assim, sua presença um fator imprescindível ao funcionamento de sua comunidade, o coro. É a atitude oposta ao abuso de autoridade.

“O melhor regente é o não-regente”, costuma dizer o Prof. Gary Hill (7) aos seus alunos de regência, que, num primeiro momento, recebem a informação com um misto de indagação e até mesmo espanto. “O regente nunca é neutro: ele necessariamente está ajudando ou atrapalhando a produção da boa música”, continua ele, insistindo na importância da liderança.

“Qualquer gesto seu, voluntário ou não, tem grande influência no produto final”.

Durante os concertos do III Simpósio da IFCM (International Federation for Choral Music), acontecido em Vancouver, Canadá, em 1993, chamou-me a atenção o grande número de coros cujos regentes pareciam cautelosos quanto aos “excessos” de sua atividade. Alguns até mesmo retiravam-se da frente de seu grupo, evitando, assim, quaisquer tipos de movimentos supérfluos.

Mas como estudar essa atividade em termos mais objetivos? Como tais aspectos se tornam palpáveis, inteligíveis para o aluno? É comum observarmos como questões relativas à métrica e ritmo são freqüentemente lembradas, como faz Richard Wagner, num ensaio publicado
sobre o assunto, ainda no século XIX:

“A essência de todo o trabalho do regente está contida em sua habilidade de indicar os tempi corretos. Sua escolha de tempi irá mostrar se ele realmente entende ou não uma determinada obra.” (Wagner, 1887, p.20 ) (8)

Sozinha, porém, a preocupação exclusiva com métrica e com ritmo não encontra sustentação, pois, como aponta James Jordan, há outros elementos envolvidos na atividade musical que têm, inclusive, sido esquecidos com grande freqüência nos programas dos cursos de regência coral:

“O maior dilema com relação aos padrões de regência é que os mesmos são freqüentemente ensinados sem conexão com o som; são ensinados como exercícios geométricos desenhados no ar, sem a presença do elemento sonoro. Padrões deveriam ser reflexo do som em todas as suas dimensões, i.e., cor, linha, características rítmicas e forma geral das frases”. (Jordan, 1996, p.114) (9)

A abordagem objetiva da questão sobre a função do regente acaba, então, por sugerir dois caminhos mais comuns: o primeiro ligado ao ensino dos padrões gestuais de regência (10), e o segundo alinhado com o desenvolvimento de um conceito ampliado de expressão gestual. Há
ainda, como veremos a seguir, distinções importantes a ser feitas entre os momentos de ensaio de um coro e de apresentação pública. No caso do IVL, entretanto, questões relativas ao ensaio coral são especificamente tratadas na cadeira Prática de Regência Coral, consecutiva ao curso em questão neste estudo.

Os padrões gestuais da regência coral
Consultando as ementas dos cursos de regência coral para alunos de licenciatura das duas universidades públicas cariocas que o oferecem (UNIRIO e UFRJ), verificamos forte tendência à abordagem dos padrões de regência como tema principal, relacionado-os a esquemas métricos simples e compostos, bem como suas subdivisões.

Podemos localizar entre a segunda metade do século XVIII e a primeira do século XIX a figura do regente de pé, no pódio à frente da orquestra, utilizando ou não uma batuta, fato que muito provavelmente solidificou a importância dos padrões gestuais. (11) Curiosamente, mesmo tendo sido a atividade coral iniciada muitos séculos antes desse período, tendemos a nos utilizar dos mesmos padrões que se solidificaram devido a questões mais pertinentes à música instrumental, tais como o aumento da densidade textural, da variação dinâmica, das sutilezas de fraseado e mesmo das proporções da instrumentação. Verificamos, ao estudar a regência e liderança de grupos musicais em diferentes períodos históricos, diversas maneiras para a sua realização, que, em comum têm sempre o intuito de otimizar a comunicação do evento musical. A quironomia, por exemplo, método que sugere movimentos circulares do regente (12), é o método mais utilizado para a direção do canto gregoriano, pois empresta mais valor ao contorno melódico que à precisão rítmica, exatamente a principal característica desse repertório. Na polifonia renascentista, o movimento vertical do braço do regente (ou do rolo de papel, como mostram alguns quadros), denominado tactus, serve como referência para as várias linhas melódicas combinadas. No teatro francês do século XVII, batidas de bengala no chão serviam como referência rítmica, mostrando ainda uma tendência comum em algumas passagens da história da música, de uma direção não-silenciosa.

Essas são apenas algumas referências de métodos que se mostraram funcionais para seus objetivos específicos, sem a utilização dos modelos e padrões modernos de regência. Em comum, têm a busca pela representação mais exata possível do elemento mais importantes em cada contexto musical. Vale voltarmos à afirmação de James Jordan (1996) mencionada acima, que sugere ser incompleta uma formação calcada somente nos padrões gestuais, mesmo que esta reforce os fatores rítmicos tão caros aos grandes autores (inclusive ao próprio Jordan).

Essa tendência é também demonstrada em grande parte da literatura do século XX a respeito do assunto. Grande parte do material de referência mostra a utilização dos padrões gestuais como sua espinha dorsal, não importando nem mesmo seu local de edição. De forma geral, os desenhos desses padrões acabaram por constituir símbolos de entendimento quase unânime no mundo ocidental. Sua eficiência é confirmada não somente por sua utilização até os dias de hoje – há quase dois séculos os mesmos gestos têm o mesmo significado – mas também por sua já mencionada “universalidade” (o primeiro tempo em movimento descendente vertical, por exemplo, é compreendido pro grande parte dos músicos no mundo). Mesmo o aparecimento de diversas escolas e variantes, surgidas no decorrer do século XX – como nos demonstram os diagramas apresentados por Elizabeth Green (1987, p.18) – não subtraem tais características dos padrões de regência.

“Mesmo que a atividade coral realmente alcance a platéia ou congregação na apresentação pública, é, na verdade, nos ensaios regulares que a experiência coral encontra sua identidade verdadeira; colocado de maneira mais simples, o local da verdadeira experiência coral é o ensaio. É aqui, sob a direção de um regente inspirador, que um grupo coral com sensibilidade desenvolve sua psiqué.”(13) (Robinson, 1976, p.153-154)
O comentário acima chama a atenção por alguns aspectos específicos. No excelente livro The Choral Experience, Ray Robinson faz grande distinção entre ensaio e performance, mas conecta de forma íntima os resultados dos mesmos. Entretanto, menciona as questões relativas ao ensaio coral propositadamente depois de já ter comentado vários aspectos técnicos da atividade do regente (incluídos aí os padrões gestuais), sugerindo uma certa ordem de prioridades. Comenta também a desproporção significativa do tempo de duração dos mesmos (14).

Já discutimos em outro texto (Lakschevitz) (15), a possibilidade de durações cada vez menores dos ensaios de coros em nossos dias, bem como uma necessidade latente de adaptação do regente às características da vida moderna. Tal idéia implica numa necessidade de comunicação cada vez mais eficaz, entre regente e coro. Ora, se, como vimos anteriormente, não são todos os cantores os que possuem a habilidade de entender o código dos padrões, torna-se ainda mais importante o desenvolvimento de outras capacidades de expressão
gestual, pois acaba se estabelecendo uma relação muito mais intuitiva na comunicação gestual entre regente e coro. Mais ainda, o aprendizado e adestramento (termo utilizado em uma das ementas referidas) nos padrões gestuais, desconectado de uma situação musical pode, ainda, levar ao “perigoso envio de mensagens contraditórias por parte do líder” (Schultz) (16), comprometendo, assim, a eficácia esperada de sua comunicação.

Ampliando o “vocabulário gestual”
Mesmo atuando no campo da música coral há muitos anos, comecei a pensar mais seriamente nessa abordagem gestual de caráter mais amplo quando fui convidado a reger o coro numa grande igreja batista na Cidade de São Paulo, onde, durante o culto dominical, há tradução simultânea para deficientes auditivos. Após o culto, vários deles me procuraram para conversar em linguagem de sinais, certos de que eu a dominava, por terem visto o tipo de gestual utilizado na regência daquele coro. Apesar de ter lidado com um coro de certa experiência – mesmo os que não liam fluentemente a partitura viviam num ambiente onde a música vocal era muito comum – o pouquíssimo tempo de atividade em conjunto de que dispunha exigia de mim, aliado à precisão de movimentos, o máximo de expressividade gestual. Apesar do constrangimento momentâneo, um intérprete logo ajudou-me a explicarlhes a situação. Desde então uma comunicação gestual eficiente confirmou-se, no meu entender, como uma das ferramentas de trabalho mais importantes do regente coral.

Estudiosos do significado das expressões gestuais e faciais humanas, Paul Ekman e Wallace Friesen (1969) classificam em cinco categorias os tipos de mensagem que podem ser compreendidas de ações não-verbais:

a) emblemas: gestos que denotam um significado preciso, conhecido pela maioria dos membros de uma determinada cultura (Ex. os padrões de regência);

b) ilustradores: movimentos utilizados para reforçar uma idéia (Ex. apontar para um objeto);

c) mostradores de afeto: expressões faciais

d) reguladores: gestos utilizados com freqüência, quase que automaticamente (Ex. aceno de cabeça, para indicar ou uma troca de olhares com o intuito de estabelecer comunicação); e

e) adaptadores: movimentos quase automáticos, involuntários, mas que se tornam fonte de indicações psicológicas sobre indivíduos (Ex. mexer os dedos ou bater os pés indicando impaciência ou nervosismo).

A inter-relação entre movimentos de todas essas categorias e o trabalho do regente são quase óbvias, mas o que nos chama atenção no momento é o fato de somente uma delas ser relacionada ao padrões de regência. Em outras palavras, os estudos de Ekman e Friesen apontam a importância de muitas outras questões que podem ser relacionadas à atividade do regente, o que sugere ser incompleto o ensino puramente técnico desses padrões, mesmo levando em consideração o pouquíssimo tempo do curso que discutimos neste texto. O controle dessas categorias de movimento pode ser uma ligação preciosa entre o controle rítmico e outros aspectos expressivos envolvidos na produção musical.

São também pertinentes a essa discussão os conceitos de anafonias cinéticas e tácteis, criados
por Phillip Tagg (1999). Segundo o autor, “anafonia significa a utilização de modelos existentes na formação de sons (musicais)”. (17) Entretanto, ao desenvolver esses conceitos, Tagg empresta um sentido que aparenta ser formulado, em termos semiológicos, do ponto de vista estésico, receptor da mensagem: sensações humanas criadas (ou motivadas) por determinadas músicas e sonoridades. Em discussão nesta turma (18), chegamos até mesmo a chamar o autor, de forma bem-humorada, de “o semiólogo do estésico”.

Tagg menciona as anafonias tácteis como aquelas que têm conexão com diferentes texturas: “string pads podem produzir efeitos de textura sônica homogênea, grossa, rica, viscosa...” (19)

Já as anafonias cinéticas são aquelas que se relacionam com o corpo humano no tempo e no espaço, mas que também podem ser visualizadas em movimentos de animais, de diferentes objetos, ou de movimentos descritivos que fazemos para descrever objetos. “Até mesmo uma total quietude pode ser expressa pela anafonia cinética, através da “absoluta falta de tempo metronômico, em relação à regularidade dos batimentos cardíacos, à periodicidade da respiração etc.” (20) Qual seria o resultado, entretanto, se invertêssemos a ordem da comunicação sugerida, estudando os efeitos de determinados movimentos e gestos na produção sonora? Quais os efeitos cinéticos de alguns gestos no fenômeno sonoro? Apesar de não estarem aparentemente conectados, os trabalho de Tagg e do dançarino e coreógrafo húngaro Rudolf von Laban mostram interessantes pontos em comum.

Laban entende que o “vocabulário de movimentos” do ser humano vai diminuindo com o passar do tempo. Enquanto crianças, brincamos e nos movimentamos com muita freqüência, mas, conforme amadurecemos, começamos a nos movimentar cada vez menos.

Estabelecemos, então, um conjunto limitado de movimentos eficazes e, gradativamente, vamos nos esquecendo de todos os outros (mas não os perdendo), os quais, apesar de espontâneos, consideramos supérfluos. Em seu livro Evoking Sound (1996), James Jordan lembra que, em parte, o trabalho de análise de movimentos desenvolvido por Laban consiste em descobrir de quais movimentos uma pessoa não mais se lembra, para, assim, reavivá-los.

Jordan menciona diversas implicações diretas que as idéias de Laban podem ter sobre a construção do vocabulário gestual do regente coral, baseando-se, principalmente, nos aspectos
“espaço”, “peso” e “tempo”, característicos dos esforços feitos para a realização de cada movimento. Mostra, então, uma tabela onde movimentos são classificados (21) de acordo com os aspectos citados:

Figura 1: “Esforços em combinação para descrição de movimento” (Laban)

Na ilustração acima, aparecem entre parêntesis os aspectos aos quais se referem as qualidades
citadas em cada movimento (espaço, peso e tempo). Jordan faz menção à utilização dessas idéias como uma maneira possível de desenvolver a expressividade gestual do regente.

Porém, em conseqüência desse trabalho, outras questões são levantadas, especialmente aquelas relacionadas ao aspecto rítmico, justamente o elemento de maior importância nos modelos de ensino de regência baseados em padrões gestuais. “Ritmo é uma manifestação de tensão e repouso que criam pontos de referência, os quais comumente chamamos de métrica”. (22)

Mesmo não sendo ligado à música coral, o trabalho de Itiberê Ztweg nos fornece, também, clara ilustração de meios não-convencionais de exercício da liderança sobre um grupo musical. Num concerto da Itiberê Orquestra Família, recentemente transmitido pela TVE, percebe-se não só a ausência de freqüentes padrões gestuais, como também, em alguns momentos, a ausência total de gestos de direção. Muitas vezes, inclusive, o som produzido aparenta ser a maior motivação dos movimentos do regente, como se esse dançasse com a música que ouve. Em texto sobre observações de ensaios do grupo mencionado, José Alberto Salgado e Silva ressalta, entretanto, a forte liderança exercida pelo maestro. Entre as bases para tal estão citadas a profunda admiração dos músicos pelo seu regente, os métodos meticulosos de ensaio e preparação e uma “argumentação de fundo moral”. Como o próprio Itiberê sugeriu em entrevista (Silva, 2001), “foi feito um pacto de sangue, um negócio muito sério. Se não for assim, a coisa escorre entre os dedos”. Provavelmente, as mensagens gestuais transmitidas pelo regente ao grupo já estão bem codificadas. Se alguma vez, entretanto, o referido regente for atuar à frente de um grupo que não o conhece, naturalmente precisará recorrer a um código comum, que, poderá ser o padrão gestual da regência.

Estudos que relacionam expressão humana com movimentos e gestos, bem como suas aplicações em regência e interpretação musicais, são comuns em diversas áreas do saber.

Escritos deixados pelo ator francês Fraçois Delsarte (1811-1871) já mostram interesse no assunto, em análises que fazem referência até mesmo ao teatro grego. Atualmente, tais investigações incorporam também meios de alta tecnologia, como no caso do projeto The Conductor´s Jacket, desenvolvido por Teresa Marrin Nakra (2000) no Massachussetts Institute of Technology (MIT), que identifica minuciosamente a atividade muscular de um regente e suas conexões com o texto musical – sua interpretação propriamente dita – através de eletrodos instalados em sua casaca.

Há problemas que poderão decorrer, entretanto, de uma abordagem mais ampla da questão gestual sem um mínimo de atenção aos padrões de regência. São questões relacionadas, primeiramente, com a não-universalidade da expressão. Já mencionamos os prováveis benefícios da ampliação dessa abordagem no trabalho com coros amadores, mas uma vez à frente de cantores experientes, será exigida do regente um conhecimento técnico do código
universal, i.e. dos padrões de regência, em nome da eficaz utilização do tempo de ensaio. Tal exigência também virá à tona em música de alta complexidade rítmica ou textural, onde entradas, cortes e movimentos precisos são de fundamental importância. Até mesmo num ambiente onde regente e coristas não falam a mesma língua (literalmente), esse pode vir a ser o único código para a comunicação entre eles.

Conclusão
O problema central, como constatado nesta pesquisa, da preparação do aluno de regência coral, reside na transformação (e até mesmo a elevação se seu status) dos padrões gestuais, passando a ser, muitas vezes, não uma ferramenta de trabalho (indispensável ao regente coral, é verdade), mas sim o objetivo final dessa atividade. Aqui não cabe, entretanto, uma solução única, para a questão apresentada, pois o desenvolvimento deste estudo, ao contrário de fornecer respostas definitivas às questões que o originaram, mostrou muitas outras óticas sobre o problema, fato devido, principalmente, à subjetividade do tema.

A semiologia é, atualmente, uma das áreas a se dedicar ao estudo da relação comportamento –
gesto – linguagem. Numa pesquisa posterior, pretendemos analisar a mesma questão mediante as teoria semiológica de J. J. Nattiez. Entendendo o regente como um intérprete de determinada obra, sua atividade se encaixa no pólo estésico ou poiético da produção musical?

Qual é, necessariamente, o nível imanente, se a partitura (papel e tinta) pode ser modificada de acordo com a situação, principalmente no caso de coros amadores? Provavelmente serão questões para as quais as respostas aparecerão, como no presente estudo, de maneira subjetiva, ou mesmo em forma de outras questões.

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Notas de Rodapé

(1) Samuel Kerr. Carta Coral. In: Ensaios: olhares sobre a música coral brasileira. Rio de Janeiro: Oficina Coral, 2006.

(2) I feel there is something almost unfair about trying to teach a skill by putting it into words. We learn so much more when we learn through our senses and experience.

(3) Some of the most essencial skills of the modern conductor are displayed in rehearsals, which, because of their expense, are often kept to a minimum, especially in the U.S....

(4) Durante a XIX Oficina de Música de Curitiba, em janeiro de 2001.

(5) A tradução literal do termo “conductor” para o português seria “condutor” como se tivesse o significado de “regente”, ou “maestro”.

(6) “the word ‘conductor’ is very significant because the idea of a current being actually passed from one sphere to another, from one element to another is very important and very much part of the conductor´s skill and craft.”

(7) Professor de regência instrumental na Arizona State University, foi um dos meus mestres, na década de 90, na
University of Misouri-Kansas City, EUA.

(8) The whole duty of a conductor is comprised in his ability always to indicate the right tempi. His choice os
tempi will show whether he understands the piece or not.

(9) The biggest dilemma concerning conducting patterns is that they are most often taught devoid of sound; they are taught as geometric exercises of sketching patterns in the air without sound being present. Patterns should be a reflection of sound in all its dimensions, i.e., color, line, rhythmic characteristics, and overall phrase shapes.

(10) Usaremos aqui os termos “padrões gestuais” ou “padrões de regência” para designar os movimentos que designam os diversos tipos de compasso, utilizados pelos regentes.

(11) Carl Maria von Weber é frequentemente citado como o primeiro a assumir, em 1817, a função do maestro no sentido moderno, i.e., utilizando a batuta, à frente da orquestra, sem tocar o violino ou mesmo instrumento de teclado. (Harvard Dictionary)

(12) Curiosamente, uma das grandes críticas de instrumentistas com relação à falta de clareza no gestual de alguns regentes é exatamente o excesso de movimentos circulares.

(13) While choral singing reaches the audience or congregation in the public performance, it is, in reality, in the regular rehearsal that the choral experience finds its true identity; put more simply, the location of the choral experience is the rehearsal. It is here, under the direction of an inspiring conductor, that the sensitive choral ensemble develops a group phyche.

(14) Seria interessante uma pesquisa entre regentes corais a esse respeito, na qual o resultado verificaria o nível da desproporção entre o tempo de duração entre ensaio e performance: quanto tempo de ensaio é realizado para cada minuto de música em uma apresentação?

(15) Monografia apresentada à disciplina Seminários de Música I, na UNIRIO, em agosto de 2003.

(16) Trabalho apresentado à disciplina Introdução à pesquisa e bibliografia, na Universidade de Missouri – Kansas City, em abril de 1993.

(17) Anaphone means the use of existing models in the formation of (musical) sounds.

(18) Música Brasileira Urbana e Rural, ministrada pela Prof. Elizabeth Travassos no segundo semestre de 2003.

(19) String pads can produce the effect of homogeneous, thick, rich, viscous sonic texture…

(20) Even stillness can be expressed by kinetic anaphone through the very lack of explicit metronomic time in relation to the regular beats of the heart, the regular periodicity of breathing etc.

(21) Mantive nessa ilustração os nomes das ações na língua inglesa por considerá-los, de certo modo, palavras onomatopaicas.

(22) Rhythm is a manifestation of tension and release that provide points of reference that we commonly refer to as meter.

Referências bibliográficas

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GREEN, Barry & GALLWEY, Timothy. The inner-game of music. Nova York: Doubleday, 1986.

GREEN, Elizabeth. The modern conductor. 4a. ed. Englewood Cliffs: Prentice-Hall, 1987.

EKMAN, Paul & FRIESE, Wallace. The repertoire of non-verbal behavior: categories, origins, usage, and coding. Semiotica, Berlim, n.1, p. 49-98, 1969.

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KERR, Samuel. Carta Coral. In Ensaios: olhares sobre a música coral brasileira. Rio de Janeiro: Oficina Coral, 2006.

LABAN/BARTENIEFF INSTITUTE OF MOVEMENT STUDIES.
Disponível em Acesso em 10 jan 2004.

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MASI, Domenico de. O ócio criativo. 6a. ed. Rio de Janeiro: Sextante, 2000.

NAKRA, Teresa Marrin. Inside the conductor’s jacket: analysis, interpretation and musical synthesis of expressive gesture. 2000. Tese (doutorado em ciências da comunicação) – Escola de arquitetura e planejamento, Massachusetts Institute of Technology.

ROBINSON, Ray, WINOLD, Allen. The choral experience. Prospect Heights: Waveland Press, 1976.

SCHULTZ, Andrew. Expressive conducting through cognitive kinesic awareness. Material não-publicado.

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TAGG, Philllip. Introductory notes to the semiotics of music. Versão 3. Liverpool/Brisbane, 1999.

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WHAT you see is what you get. Chapell Hill (EUA): Hinshaw Music, 1988. 1 fita de video
(1hr.18 min), son, color, VHS.

COMO FAZER OU POR QUE FAZER?

COMO FAZER OU POR QUE FAZER? por Eduardo Lakschevitz

Durante os últimos cinco anos tive a oportunidade de dirigir um grupo maravilhoso de cantores, o coro Kolina. Nesse tempo, um fato acontecido repetidas vezes em nossas apresentações me provocou a presente reflexão.

Nas muitíssimas ocasiões em que nos apresentamos nas igrejas protestantes do Rio – o grupo especializou-se em música sacra – nossos ouvintes nos abordavam ao final da cantoria sempre com uma palavra de apoio e também de agradecimento, criando momentos muito felizes, de valiosa troca entre cantores e ouvintes. Nessas horas era freqüente alguém a mim se dirigir com lágrimas nos olhos, dizendo: “- Cantei no coro do seu avô e agora, ouvindo o Kolina, aqueles bons tempos me voltaram à mente!”.

Imigrante chegado da Letônia na década de 20, meu avô Arthur foi um dos responsáveis por grande parte do desenvolvimento da música coral na igreja protestante brasileira, atuando durante anos a fio como regente, professor, compositor e editor, atividade que, de tão intensa, tornou seu nome bastante conhecido nesse meio. O que mais me fascina, entretanto, ao ouvir os comentários desses senhores e senhoras que o conheceram, é entender que seu trabalho ainda hoje provoca emoções dessa ordem.

Melhor ainda é pensar que eu acabei abraçando sua profissão, uma arte que, em sua capacidade de unir criatividade e relacionamentos, me proporciona a preciosa oportunidade do convívio diário com pessoas dispostas a compartilhar sua sensibilidade. Enfim, exerço uma atividade capaz de emocionar as pessoas décadas mais tarde.

No entanto, não posso me furtar ao exercício de imaginar como seria um ensaio do Vô Arthur hoje em dia. Como funcionaria seu estilo? Como dirigiria um ensaio? Será que abriria mão de algumas convicções?

A imagem que sempre guardarei dele é aquela do homem bonzinho, que me deixava tomar sorvete antes do almoço e que me dava presentes mesmo quando não era Natal nem meu aniversário. Sei, porém, através dos que com ele trabalharam, que tratava-se de um regente muito sério e metódico.

Não somente por seu hábito de ensaiar sempre de paletó e gravata, mas também por sua postura em atividades práticas, tais como a escolha de solistas, a relação com pianistas acompanhadores e a seleção do repertório. “Disciplinador” é um adjetivo comumente associado ao seu estilo de trabalho. “- Com ele não se brincava em ensaio. Música era coisa muito séria”, dizem, ainda, os que o conheceram.

Apesar de pertencermos a gerações distintas, nossos trabalhos deixam transparecer ideais análogos, no entendimento da música coral como meio para alcançar objetivos maiores, como poderosa ferramenta para comunicação de uma mensagem, ou como forma valiosíssima de educação tanto de jovens quanto adultos. Porém, mesmo pensando de forma tão semelhante, a distância entre nossas gerações se mostra nítida e forte se compararmos os métodos e ferramentas utilizados para alcançar nossos objetivos. Mas por que é isso é tão marcante? Quais as diferenças entre os grupos do seu tempo e aqueles com os quais trabalho hoje em dia?

Uma presente instabilidade de nossas instituições é assunto corriqueiro em discussões sobre a pósmodernidade.

Parece que vivemos um tempo de constante mudança, e podemos perceber essa preocupação em reflexões de diversos autores. Meyer (i) (1994), por exemplo, observando a rapidez do aparecimento de diferentes estilos de produção artística nos últimos anos, sugere que os tempos vindouros serão provavelmente marcados não pelo desenvolvimento linear de um único estilo, mas pela coexistência de múltiplos e diferentes estilos, num estado de flutuação dinâmica – uma stasis.

Também Topping (ii) (2002), escrevendo para líderes corporativos diz que “as organizações se encontram em constante estado de transição. Não se trata de fenômeno pouco duradouro nem de algo a ser gerenciado no processo de criação do novo status quo. A transição é o status quo, se isso é possível. O chão está em constante movimento irregular sob nossos pés, e tudo indica que não parará tão cedo”.

Nada mais natural, então, que estejamos em estado de alerta, analisando constantemente o que se passa ao nosso redor, mas não somente com relação aos aspectos técnicos do nosso ofício. Numa sociedade cada vez mais competitiva, precisamos ser excelentes regentes e músicos do mais alto gabarito, mas também nos é necessária uma capacidade de fomentar em nossa comunidade a compreensão da importância e do potencial da música coral. Precisamos dar um novo sentido ao termo “formação de platéia”, tão presente em projetos de captação de recursos.

Infelizmente, a julgar pelas discussões que tenho presenciado, por perguntas de alunos, comunicações em congressos, ementas escolares, ou mesmo pelos pedidos que chegam à Oficina Coral, tendo a pensar que estamos (nós, regentes corais) interessados em assuntos de caráter mais técnico, mas que de forma alguma correspondem à plenitude de nossas atividades. Com maior freqüência nos perguntamos como fazer ao invés de por que fazer.

Recentemente ouvi de um colega regente, de quem admiro a grande competência e também a objetividade, a seguinte frase: “Se alguém começar a falar em diafragma de novo, eu vou embora. Não agüento mais isso!” Carregada de fina ironia, a idéia de meu colega expressa exatamente a nossa necessidade dessa análise crítica que mencionei acima, do constante estado de alerta. Do alto de sua grande experiência, ele confirma que, em música coral, assuntos puramente técnicos devem andar em parceria com suas aplicações e suas finalidades.

Ano passado, durante um workshop (iii) do qual fui um dos facilitadores, propus algumas considerações a respeito da música coral no Brasil do século XXI. Tive a oportunidade de provocar debates sobre temas não necessariamente técnico-musicais (apesar de ligados à nossa profissão) e, até mesmo, propor algumas idéias que possam auxiliar o regente no exercício de uma análise estratégica de sua atividade. De alguma forma (e esse é um estudo que se promete fascinante) a vida contemporânea coloca em dúvida alguns paradigmas que estão profundamente arraigados na nossa concepção de atividade coral. Naquela oportunidade, tratamos de temas como:

* o coro como fomentador da criatividade, da capacidade inventiva e da capacidade subjetivapara a aquisição de conhecimentos (cooperação);

* o coro como atividade criativa em grupo, que incentiva a divisão de conhecimentos, sua articulação e sua socialização;

* as redes de conhecimento demandando criatividade dos usuários, sendo o conhecimento um resultado da cooperação que se efetiva nessas redes;

* idéias sobre o processo pós-moderno: criativo e reticular / indeterminado e interativo;

* a valorização do próprio processo, ou seja, da potência de transformação nele contida (ensaio
e apresentação);

* customização; e

* o conceito de heterarquia – educação como atividade “horizontal”.

Não cabe neste presente artigo uma descrição extensa das idéias sobre a análise estratégica acima mencionada, mas gostaria ainda de fazer referência às diretrizes que as nortearam:

 * QUEM é o meu grupo?
 * ONDE ele este inserido?
 * Qual é meu PÚBLICO?
 * Como lido com o TEMPO?

A partir desses pontos, pudemos começar a formar opiniões sobre ferramentas de trabalho (ensaio, repertório, recrutamento de cantores, tipos de técnica vocal, exercícios, instrumentistas, processos de educação musical, etc.) De certa forma conseguimos, naqueles dias, refletir um pouco sobre o porquê de nossa arte, ao invés do como.

Peço desculpas aos leitores que esperavam nesse breve artigo considerações a respeito de padrões gestuais, afinação, respiração ou técnica vocal (afinal, esse é um texto escrito para a Associação Paulista de REGENTES CORAIS). Entretanto, talvez por força do hábito acadêmico, preferi propor questões ao invés de fornecer respostas. Assim fico mais confortável, pois não creio na eficácia de receitas pré-estabelecidas, manuais ou tratados que lidam com nossa arte de forma racional, como se seus autores fossem donos de todas as respostas. Apesar dos longos anos que nos separam, continuo a fazer coro com o Vô Arthur: nossa arte tem por finalidade maior inspirar as pessoas. Por isso, trabalhar levando em consideração a sociedade à qual pertencemos faz toda a diferença.
_____________________
(i) Leonard B. Meyer, Music, the arts and ideas: patterns and predictions in the twentieth-century culture (Chicago: The University of Chicago Press, 1994) 89-91.

(ii) Peter A. Topping, Liderança e Gestão (São Paulo: Campus, 2002) 44.

(iii) I Workshop de Regência Coral, promovido pela Oficina Coral do Rio de Janeiro em convênio com o Conservatório Brasileiro de Música, de 3 a 7 de setembro de 2004.

A PRÁTICA CORAL NA ATUALIDADE: SONORIDADE, INTERPRETAÇÃO E TÉCNICA VOCAL

A PRÁTICA CORAL NA ATUALIDADE:
SONORIDADE, INTERPRETAÇÃO E TÉCNICA VOCAL - Today’s Choral Practice: sonority, interpretation and vocal technique


Angelo José Fernandes (Unicamp)angelojfernandes@uol.com.br

Adriana Giarola Kayama (Unicamp)akayama@iar.unicamp.br

Eduardo Augusto Östergren (Unicamp) ostergren@iar.unicamp.br

Resumo: Este trabalho é uma reflexão sobre a figura do regente coral em suas funções de criador sonoro, intérprete e preparador vocal. O artigo discute a importância da sonoridade na performance coral, bem como sua adequação aos diversos estilos de música coral através de um trabalho de exploração e variação de aspectos estilísticos. Aponta-se o preparo vocal como principal ferramenta para a construção da sonoridade coral bem como para o desenvolvimento da variação sonora, e propõem-se caminhos para o trabalho com os vários aspectos técnicos da sonoridade de um coro: produção vocal, dicção, registração vocal, timbre, vibrato, homogeneidade, equilíbrio, afinação e precisão rítmica.

Palavras-chave: Música Coral; Regência Coral; Sonoridade Coral; Interpretação Musical; Técnica Vocal.

Abstract: This work is a reflection on the figure of the choral conductor in his tasks as sound builder, interpreter, and vocal coach. The article discusses the relevance of sonority in the choral performance and its adaptation to the various styles of choral music through the exploration and variation of stylistic aspects. Attention is called to the aspect of vocal preparation as the principal tool for the construction of choral tone as well as for the development of sound nuances pointing ways for the working of the various technical aspects of a choir sound: vocal production, diction, vocal registration, timbre, vibrato, blend, balance, intonation, rhythmic precision.

Keywords: Choral Music; Choral Conducting; Choral sonority; Music Interpretation; Vocal Technique.

1. O regente e a performance da música coral

Não se pode ignorar o fato de que “as notas escritas por um compositor não existem em um vácuo; elas foram concebidas com uma certa sonoridade em mente, e essa sonoridade seria, naturalmente, aquela com a qual ele se familiarizava” (NEWTON, 1984, p. 3). “Um compositor do passado concebia suas obras em termos de sonoridades musicais da sua época, como faz um compositor do século XX” (DART, 2000, p. 27).

Assim como as formas e os estilos musicais, as sonoridades1 também mudaram ao longo da história. A prática da música coral sofreu influências temporais, geográficas e próprias da individualidade dos vários compositores. Essas influências se refletem em uma série de aspectos que merecem ser investigados no processo interpretativo de uma obra: a) em que circunstâncias e para que tipo de público a obra foi escrita; b) as possíveis condições acústicas das salas de concerto, bem como o tipo e o tamanho dos grupos vocais e instrumentais para os quais a obra foi composta; c) o sistema e o padrão local de afinação; d) a “cor sonora” das vozes e dos instrumentos; e) as variações de métrica, fraseado, articulação e dinâmica; f) o significado do texto e as formas regionais de pronúncia deste texto. Direta ou indiretamente, todos esses aspectos exercem alguma influência sobre o resultado sonoro de uma obra na performance. Assim, a fim de desenvolver um trabalho coerente com questões estilísticas através da sonoridade, o regente precisa dar atenção à forma, no sentido de verificar como esta se relaciona com cada um dos citados elementos.

Contudo, “o músico que se dedica à questão da sonoridade e lhe concede um papel importante no contexto da interpretação vê surgir automaticamente problemas referentes aos critérios históricos” (HARNONCOURT, 1998, p. 86). Provar com absoluta certeza qualquer coisa sobre sonoridades e práticas interpretativas, antes da invenção das gravações, é algo evidentemente difícil. Há, entretanto, grande quantidade de indicações e evidências que podem orientar o regente a respeito da prática vocal em séculos passados. A respeito de tais evidências Newton diz que:

“Elas podem ser encontradas nos vários livros de instrução escritos pelos grandes professores de canto. Elas podem também ser encontradas nas descrições do canto de perspicazes comentadores como Berlioz e Chorley no século XIX e Burney no século XVIII. Outras evidências importantes podem ser encontradas no estudo dos instrumentos usados na prática musical, particularmente aqueles que acompanhavam a voz. Eles prosperariam ou então cairiam em desuso, ou eles seriam modificados para satisfazer as mudanças de gosto. Especialmente nos tempos mais antigos, um dos objetivos declarados da criação de instrumentos, seja de sopro ou de cordas, era imitar a voz humana.” (NEWTON, 1984, p. 9)

No que tange a questionamentos envolvendo a performance coral em épocas e culturas diversas, a busca de respostas calcadas em evidências é uma atitude que pode dar grande dimensão ao processo interpretativo.

Por isso, antes de reger uma obra, os regentes deveriam conduzir um processo investigativo a respeito da obra, em que circunstâncias foi composta, buscando, se possível, fontes de pesquisa atualizadas.

Embora um regente coral não deva exigir de seu grupo uma sonoridade pré-concebida – “ideal” – que seja incompatível com as habilidades técnicas de tal grupo, é preciso abordar cada composição com um conhecimento de seu estilo musical e da técnica vocal mais eficiente para sua execução. Por questões de transparência e clareza de articulação, um moteto renascentista ou um madrigal, assim como as obras do período Barroco, requerem uma produção vocal que resulte em um som mais leve, claro, brilhante, com um vibrato naturalmente reduzido. Já o repertório coral composto desde Schubert até o presente requer uma produção vocal capaz de produzir um amplo espectro de cores e sons – do mais leve e brilhante ao mais vigoroso, pesado, ou até mesmo escuro – muitas vezes utilizados na performance de uma mesma peça.

A execução de uma obra coral depende, entre outros aspectos, da realização correta da afinação, da articulação inteligível do texto, além de outras qualidades técnico-vocais do coro moldadas pelo regente que, assumindo sua função de intérprete, deve conceber sua própria visão da obra, expressando-a através da sonoridade resultante deste processo. Assim, re-gentes atentos ao refinamento histórico-estilístico de uma obra devem também se preocupar com a importância de se ter um conhecimento técnicovocal que viabilize os resultados buscados. Conhecendo a pedagogia vocal, regentes podem trabalhar efetivamente para desenvolver nos cantores uma maior habilidade vocal, facilitando a tarefa de interpretação de repertórios diversificados. Com uma técnica vocal eficaz e saudável, o cantor pode aprender a variar a sonoridade da voz em todos os registros, atingindo grande quantidade de “cores sonoras”, desenvolvendo um amplo espectro de dinâmicas e, ainda, adquirindo a habilidade de executar passagens melismáticas com grande agilidade e leveza.

Newton (1984, p. 5) diz que “existe um amplo espectro de sons que podem ser produzidos pelas pregas vocais para realizar os mais diferentes tipos de música, considerando-se o mundo inteiro e sua variedade cultural.” Como a prática coral atual tende a abranger grande diversidade de estilos de música erudita e popular, é preciso se formar coros conscientes e capazes de produzir sonoridades variadas.

Certamente, as opiniões irão variar de regente pra regente, no que diz respeito à importância de se trabalhar em favor da adequação da sonoridade às exigências estilísticas. Contudo, embora seja árduo, o trabalho de variação sonora é possível, sendo de grande importância para a performance de repertórios diversos. É evidente que reproduzir exatamente as condições sonoras originais de uma composição coral é uma tarefa um tanto pretensiosa. Entretanto, “qualquer coro pode variar seu som até certo grau, freqüentemente em uma escala surpreendente. [...] O fator determinante é a técnica vocal de cada cantor individualmente, [por isso], os regentes devem trabalhar para uma flexibilidade de produção” (HEFFERNAN, 1982,

p. 82). O autor ainda afirma que:

Até que os membros do coro estejam seguros em sua demonstração de postura, respiração e apoio, e até que eles possam cantar sem tensão com a ressonância adequada, pouco pode ser feito para produzir variações na sonoridade. Por isso é que muitos coros destreinados ou inexperientes são tediosos de ouvir; deficientes de técnica vocal, eles podem produzir pouquíssima variação em seu som. O regente deve ter em mente, constantemente, a necessidade de uma boa produção vocal.” (loc. cit.)

Ao regente cabe, portanto, a responsabilidade de conduzir o processo interpretativo, no qual ele deve exercer seu papel de preparador vocal. “O regente influencia na técnica vocal, formação vocálica, tipo de ataque e terminação, aspectos do legato e da articulação, e outros fatores que possibilitam que o som seja moldado de acordo com suas intenções.” (SMITH; SATALOFF, 2000, p. 138).

Uma estimativa aproximada revelou que, no ano de 1992, havia 15.000.000 de cantores corais em todo o mundo, e pelo menos 95% desses cantores (14.250.000, na época) não estudavam canto individualmente, de onde se conclui que seu preparo vocal estava nas mãos de seus regentes (Brandvik, 1993). O regente é, em geral, o primeiro e único professor de canto dos cantores de seu grupo. Por isso é preciso assumir a responsabilidade de instruí-los tecnicamente. Heffernan observa que:

Regentes de coros que aspiram a um alto nível de excelência artística devem, portanto, se verem não apenas como líderes de organizações mas também como professores de técnica vocal. Embora [alguns] membros do coro possam estudar canto privadamente, eles ficam sob a instrução do regente durante um período muito maior por semana.

A influência do regente, vocalmente falando, pode ser extensiva, e ele ou ela devem assumir a responsabilidade desta posição de liderança.” (HEFFERNAN, 1982, p. 20)

Como já refletimos anteriormente, é fato que, para o exercício da sua função de intérprete, o regente precisa moldar o coro para que responda às exigências estilísticas das obras. Entretanto, constata-se que, mesmo tendo consciência da sonoridade pretendida, nem sempre o regente está apto para alcançar o resultado esperado. Preparar vocalmente um grupo de cantores, especialmente aquele formado por amadores, é uma tarefa árdua que exige do regente horas a fio de estudo e prática com o universo da técnica vocal, seja individualmente ou em grupo. Seu relacionamento com a técnica vocal deve ser tão íntimo quanto sua familiaridade com a técnica de regência e com o seu conhecimento geral de música. Smith e Sataloff afirmam que:


"O regente deve reunir um arsenal de ferramentas pedagógicas, inspiração poética, conhecimento histórico e habilidades pessoais para acompanhar os passos da natureza de constantes mudanças do coro. É essencial que os regentes corais aprendam a usar bem suas próprias vozes, e por meio disso formem uma estrutura pessoal de referência para assuntos vocais. Postura, qualidade e som da voz, uso da linguagem e gestual de regência deveriam, cada qual, exemplificar e encorajar bons hábitos vocais.” (SMITH; SATALOFF, 2000, p. 9)

Miller ainda ressalta que:

“Um som coral completo só pode ser alcançado quando os cantores dentro do grupo usarem suas vozes eficientemente. É dever do regente coral ensinar os coristas como se tornar cantores eficientes, de forma que as exigências musicais a eles impostas os beneficiem e não os prejudiquem, e assim, a qualidade do som do conjunto seja da mais alta condição possível. Aceitando-se a premissa de que música coral é música vocal, as qualificações exigidas de um regente coral devem ser direcionadas. É suficiente ser um bom musicista, ter qualidades de liderança, possuir habilidades como um organista ou pianista, ou ser musicologicamente bem informado? Não é necessário ser um cantor profissional para ser um bom professor de canto, mas é necessário que se alcance um bom nível de proficiência técnica com o seu próprio instrumento. Da mesma forma, não é necessário ao regente coral ser um cantor, mas ele ou ela deveria estar apto a conduzir os coristas a uma proficiência vocal.” (MILLER, 1996, p. 58)

No entanto, regentes ainda estão divididos em seus posicionamentos quanto ao trabalho técnico-vocal. Alguns possuem pouca ou nenhuma experiência em canto e, por isso, se sentem desconfortáveis com a responsabilidade de lidar com tais questões. Para outros, a técnica vocal se limita a simples exercícios de aquecimento, que produzem pouco ou nenhum benefício ao desenvolvimento vocal a longo prazo. Há os que se prendem ao emprego de determinados exercícios ou métodos aprendidos em alguma escola de canto, sem discernir se esses contribuirão efetivamente para o desenvolvimento das vozes. Existem aqueles que, por não planejarem adequadamente seus ensaios – e por inabilidade na aplicação da técnica vocal na preparação do repertório – utilizam-se de um número exagerado de vocalises recolhidos em diversos cursos, aulas e masterclasses, acreditando que, destarte, conseguirão bons resultados. Observa-se, ainda, regentes que buscam uma sonoridade única em seu trabalho. Por acreditarem que os vários estilos devem tão somente se adequar a seus grupos, executam qualquer peça com um mesmo perfil sonoro. Tal sonoridade é normalmente uma marca do coro e de seu regente e, para eles, não deve mudar nunca.

As divergências de opiniões e atitudes em relação ao trabalho sistemático de técnica vocal aplicado ao coro não param por aí. Regentes tendem a concordar que um som vocal eficaz e bonito precisa ser saudável, sem vazamento de ar, confortavelmente sustentado, cantado na afinação correta, bem articulado e capaz de variar amplamente em intensidade. Existem, entretanto, diferentes posicionamentos a respeito do uso do vibrato, da importância de se trabalhar os registros vocais e a produção do som das vogais, da diferença entre a voz do cantor lírico solista e do cantor coral, entre outros.

Muitas destas controvérsias ocorrem em função da diversidade de escolas de canto, todas cobrindo um amplo espectro de metodologias para se desenvolver uma técnica vocal eficaz. É importante que o regente, em se dedicando ao estudo do canto, determine suas prioridades e trabalhe para alcançá-las, procurando conhecer sua própria voz e adquirindo o hábito de utilizar-se de uma terminologia adequada no treinamento de seus canto-res. Edwin observa que:

“Nós não deveríamos aceitar o estado atual no tocante ao vocabulário e à técnica. Todos nós [regentes e professores de canto] precisamos examinar [melhor] a terminologia a respeito de apoio, foco, colocação, voz de cabeça e de peito, considerando informações pedagógicas e pesquisas científicas fornecidas por autoridades como Richard Miller, Johan Sundberg, Thomas Cleveland e Robert Thayer Sataloff. A administração pessoal da respiração, a fonação e as técnicas de ressonância devem ser comparadas com essas [encontradas] na literatura de uso comum. Quando as comparações revelarem procedimentos contraditórios, deve-se estar disposto a experimentar, no estúdio ou na sala de aula, as técnicas opostas para determinar se uma é mais eficaz que a outra e, se necessário for, abandonar aquelas que são familiares e confortáveis por aquelas que são mensuravelmente melhores.” (EDWIN, 2001, p. 54)

Finalizando, concluímos que a tarefa do regente coral de interpretar uma obra e “traduzi-la” para seu público depende, entre outros aspectos, de seu conhecimento vocal e de sua capacidade de atuar como um “professor de canto” dos cantores de seu grupo coral. O som de um coro precisa ser construído de forma saudável, produtiva e responsável, e em geral, os cantores corais não possuem, individualmente, o conhecimento necessário para tal. É preciso que se entenda que “ser um regente coral é como ser, ao mesmo tempo, organista e construtor de órgãos – o regente deve construir

o instrumento coral como ele o toca” (BRANDVIK 1993, p. 148).

2. Aspectos formadores da sonoridade de um coro

Dos vários elementos presentes na performance coral, o som do coro é um dos que mais chama a atenção dos apreciadores de tal arte. Heffernan observa que:

“A primeira coisa com a qual um público reage num concerto coral, com exceção dos aspectos visuais, é o som produzido pelo coro. A atenção dos ouvintes é imediatamente atraída à qualidade do som que está sendo externado – sua riqueza, maturidade, plenitude e clareza – também, em muitos casos à falta de alguma dessas características.” (HEFFERNAN, 1982, p. 80)


A construção de um som coral tecnicamente eficiente e esteticamente equilibrado depende de escolhas feitas pelo próprio regente que, assim, poderá demonstrar sua habilidade como preparador vocal:

O som do seu coro será uma exposição da sua habilidade em transmitir seu conhecimento, em aumentar e refinar suas técnicas pedagógicas, em estimular e manter nos seus cantores a dedicação às normas vocais e musicais, em dar forma às nuances silábicas e melódicas, em expandir o conhecimento e proficiência técnica de seu coro e em conduzir o grupo à performance artística.” (PFAUSTCH, 1988, p. 91)

Uma vez que a sonoridade coral depende das escolhas do regente, que aspectos são relevantes e devem ser trabalhados pelo regente para se atingir a sonoridade pretendida? O que faz a “cor sonora” de um coro ser diferente daquela de outro coro?

Existem vários fatores que, embora não participando diretamente da formação sonora do coro, influenciam no seu resultado: o tipo de grupo coral (se profissional ou amador); a faixa etária, saúde geral e maturidade musical dos cantores; a realidade sócio-cultural do coro; o ambiente acústico em que se realizam ensaios e performances; a freqüência semanal de ensaios; e o tempo dedicado a cada ensaio. Uma vez que esses fatores são variantes, não temos a intenção de abordá-los separadamente.

Em sua abordagem sobre prioridades no treinamento de coros de todos os níveis, Carrington aconselha ao regente, em sua função de preparador vocal, que:

“Independente do nível inicial do coro, decida sobre um som coral ideal e trabalhe para desenvolvê-lo. Por exemplo, um som limpo, saudável, alto, com uma variedade de cores, do brilhante ao escuro, do frio ao caloroso, do forte ao suave. Um som flexível, mas com intensidade constante, e um vibrato controlado, que pode variar sem esforço e rapidamente desde nenhum até um vibrato moderado – assim como o vibrato de um excelente instrumentista de corda.” (CARRINGTON, 2003. p. 29)


O autor ainda aponta como ingredientes vitais para a prática coral, a construção de “um som básico para o qual o coro possa sempre retornar”, a exploração de um espectro sonoro abrangente – baseado em timbres orquestrais – e uma ampla variação de dinâmica. A partir deste “som padrão”, o coro poderá variar sua sonoridade e adquirir uma flexibilidade vocal que possibilite a execução adequada de repertórios diversos.

HEFFERNAN (1982, p. 82) afirma que “o som coral é influenciado por algumas áreas claramente definidas: produção vocal, altura, dinâmica e vogais.” Para Swan, não existem dois coros que produzam um som idêntico, dependendo a sonoridade de um coro não somente das escolhas técnicas e musicais feitas pelo regente, mas também de sua capacidade de aplicá-las no trabalho à frente do coro. O autor afirma que:

“O tipo ou qualidade de som produzido por um grupo coral é influenciado primeiramente pelos pensamentos e ações do seu regente no que diz respeito: 1. Aos processos básicos do canto: fonação, suporte sonoro, ressonância e extensão vocal; 2. Ao grau de ênfase dado a uma ou mais das variadas técnicas corais fundamentais, precisão rítmica, fraseado, equilíbrio, dinâmica e articulação; 3. Às exigências interpretativas e estilísticas da partitura musical; 4. Aos recursos pessoais e técnicos do regente que ele usa para se comunicar com o coro nos ensaios e apresentações.” (SWAN, 1988, p. 8)

Acreditamos, pois, que a formação do som padrão de um coro depende de uma série de elementos de ordem técnica e pessoal. Na performance, este som ainda sofre a influência de fatores e escolhas de ordem estilística. Entre os aspectos técnicos, há os que estão relacionados à individualidade das vozes que formam o coro, devendo ser trabalhados a partir de técnicas específicas para a otimização da produção e registração vocais, da dicção, do timbre e do vibrato. Outros se relacionam diretamente com o canto coletivo e dependem de técnicas voltadas para a busca de homogeneidade, equilíbrio, melhoramento da entonação (individualmente e em grupo) e precisão rítmica. Uma vez construída a sonoridade padrão,

o regente poderá trabalhar sua variação através dos chamados aspectos estilísticos: “cor sonora”, fraseado, articulação (musical), emprego de dinâmica e agógica.

2.1 Aspectos técnicos individuais:

Para que um coro aprimore suas habilidades coletivas é essencial que cada cantor desenvolva individualmente uma boa técnica vocal. O desenvolvimento da qualidade sonora de um grupo coral começa por um processo de conscientização do cantor a respeito das ferramentas básicas para uma produção vocal adequada. Partindo do princípio de que o regente esteja apto para preparar vocalmente seus cantores – considerando o fato de que não teria tempo para lecionar canto individualmente a todos – surge a necessidade de se desenvolver um programa de trabalho sistemático nos ensaios, para que os cantores aprendam a lidar com as questões técnicas e aplicá-las ao repertório. “Contrastes de dinâmica, homogeneidade e equilíbrio apropriados, afinação e entonação precisas, e fraseado eficaz são todos dependentes de uma produção vocal correta” (GARRETSON, 1988, p. 67).

No âmbito do estudo vocal, a compreensão – ainda que rudimentar – dos aspectos fisiológicos da produção sonora é de grande valia no domínio da emissão e no controle da voz. Evidentemente a fisiologia vocal é bastante complexa, mas pode-se dizer que existem, essencialmente, três áreas da produção vocal, claramente distinguíveis, que devem ser estudadas e constantemente trabalhadas: 1) a administração da respiração; 2) a função laríngea (coordenação eficiente da respiração com a produção do som) aliada à busca do relaxamento do pescoço, mandíbula e músculos faciais; 3) e o desenvolvimento e exploração da ressonância vocal. Neste processo o regente deve, ainda, considerar fatores como a postura apropriada para o canto, o aquecimento corporal e vocal, e a função e o valor dos vocalises, buscando meios de trabalhar a registração, a extensão, os timbres e a flexibilidade vocal.

Não temos a intenção de abordar extensivamente os vários aspectos envolvidos na produção vocal humana. Para maiores esclarecimentos a respeito deste assunto sugerimos a leitura dos trabalhos de Costa (1998) e Miller (1986).

2.1.1 Registração vocal e música coral

Saber lidar com a questão da registração vocal é fator de grande relevância para regente e cantores. Para Costa e Silva (1998), o termo registro tem o cunho didático e procura descrever os intervalos de freqüência que têm, entre si, uma determinada conjugação de atividades musculares e respiratórias. Os autores observam que “os registros são chamados de peito, misto e de cabeça, numa tentativa de estabelecer uma relação entre os sons produzidos e o local onde ocorre a maior sensibilidade sonora durante sua emissão” (Costa; Silva, 1998, p. 84). De fato, segundo a terminologia utilizada pelas escolas de canto, a voz humana possui os três citados registros: a voz de peito (registro grave), a voz mista (registro médio) e a voz de cabeça (registro agudo). Cada registro vocal tem sua própria “cor sonora”, seu peso e suas características. Para que o cantor possa executar expressivamente repertórios diversos, as qualidades de cada registro precisam ser trabalhadas. Além disso, o desenvolvimento da extensão vocal, do grave ao agudo, só é possível através do domínio dos registros.

A transição da voz de peito para a voz mista é chamada de primo passagio2 e a transição da voz mista para a voz de cabeça é chamada de secondo passag3. Costa e Silva explicam que as chamadas passagens que existem entre um registro e outro são zonas de adaptação à nova configuração glótica, e, portanto, sujeitas a dificuldades de acoplamento entre a laringe e o trato vocal.

A difícil tarefa do regente é a de orientar seus cantores a respeito de cada um, para que desenvolvam a habilidade de “transitar” de um registro para outro, sem perda da qualidade sonora, evitando eventuais desconfortos vocais e quebras na igualdade do som. “O bom cantor deve aprender a lidar com a passagem de modo a que ela se torne imperceptível, como se, ao passar de um registro para o outro, tivéssemos a impressão que fosse um registro único” (loc. cit).

Em muitos grupos corais, especialmente no naipe de contraltos, existe uma grande quantidade de cantoras que desconhecem seu registro de cabeça, tendendo a cantar tudo no registro de peito, o que pode causar sérios danos à saúde vocal, prejudicar a afinação e gerar uma sonoridade no mínimo desagradável. Em muitos casos, tais coralistas cantam no naipe de contraltos apenas devido a sua habilidade em utilizar a voz de peito, quando, na verdade, são sopranos que não aprenderam a lidar com a região aguda. Este caso, muito comum nos coros amadores, pode ser trabalhado pelo regente se este está consciente do problema e conhece ferramentas técnicas que possam auxiliar suas cantoras na utilização do registro de cabeça.

Outra questão importante referente à registração vocal é o uso do falsete pelos cantores do naipe de tenores. Nem sempre os coros possuem tenores agudos. Muitas vezes os naipes de tenores são formados por barítonos agudos que não possuem a extensão exigida pelas obras do repertório, nem tampouco a sonoridade clara e brilhante pertinente a este naipe. Com a orientação do regente, podem desenvolver a habilidade de utilizar

o falsete de forma eficiente e adequada a vários estilos de música coral. Ao contrário do que muitos defendem, a utilização do falsete é uma prática saudável e muito apropriada para obras de todos os períodos, bem como em arranjos de música popular.

2.1.2 Dicção

Na música vocal, seja ela coral ou não, o trabalho para se alcançar uma boa dicção é fundamental. Regentes e cantores são unânimes ao afirmar que o trabalho de dicção é essencial para o sucesso de um grupo coral. Isto porque a dicção permite: uma enunciação clara, capaz de proporcionar um melhor entendimento do texto; uniformidade sonora das vogais, essencial para uma afinação refinada e para a maior homogeneidade sonora; uniformidade de articulação consonantal, essencial para o equilíbrio rítmico; e flexibilidade dos lábios, da língua e da garganta, permitindo uma produção vocal eficiente e saudável.

A fim de que o público entenda bem a sonoridade característica e o significado do texto – seja em que idioma for – é necessário, primeiramente, que se trabalhe a pureza dos sons vocálicos e a clareza das consoantes. Entretanto, um simples trabalho de enunciação não é o suficiente, sendo necessário combiná-la com a prática insistente de se cantar as palavras com a acentuação adequada e dar sentido ao conteúdo poético de cada verso, ajustando-o ao conteúdo musical da obra. Assim, os textos ganham em expressividade e seu significado é melhor comunicado.

Moore ressalta que:

O ponto de refinamento da qualidade vocal e de unificação sonora do canto grupal está na formação das vogais. Ela determina a qualidade e a maturidade do som e constitui o fator primário na precisão e controle da afinação, além de abrir o caminho para que um grande número de cantores possa cantar como uma só voz. [...] Será necessário que o coro identifique e conheça a formação das vogais básicas.” (MOORE, 1999, p. 51)

Para Miller, muitos dos problemas de afinação nos grupos corais são conseqüência da inabilidade dos cantores em diferenciar claramente as vogais. Depois de explicar a formação dos vários sons vocálicos, o autor incentiva o regente a aplicar exercícios de diferenciação das vogais para que seus cantores adquiram maior domínio sobre sua produção:

Um pequeno número de exercícios de diferenciação das vogais, executados individualmente ou em grupos, primeiro lentamente e depois rapidamente, traz uma conscientização sobre como as vogais podem ser mudadas sem perda da consistência necessária para se produzir um timbre vocal rico em ressonância. Essa consistência do timbre pode ser mantida somente se o trato ressoador é permitido a assumir formas que ‘rastreiem’ a vogal gerada na laringe. É essa habilidade de mudar os contornos do trato ressoador que permitem que o timbre vocal permaneça constante quando as vogais são diferenciadas.” (MILLER, 1996, p. 61)

Uma ferramenta vital para regentes e cantores, auxiliando-os na prática da música vocal, é o International Phonetic Alphabet – IPA4, no qual os princípios da dicção são abordados pelo viés científico e técnico da fonética. Planejado e organizado por volta de 1886 por uma associação internacional que se dedicava ao estudo da fonética, o Alfabeto Fonético Internacional sempre teve como objetivo estipular para cada som das várias línguas um símbolo que permaneça constante de uma língua a outra.

Um símbolo do IPA representa um som que é constante, ainda que sua ortografia mude de uma língua para outra, ou até na mesma língua. Em português, por exemplo, o símbolo [S] é utilizado para representar foneticamente o som do x em xadrez e do ch em chá. Este mesmo símbolo é utilizado para o sh de shore (inglês), o sc de víscera (latim) ou de scena (italiano), o ch de chose (em francês), o sch de Schubert (alemão) ou de Khrushchev (russo), e assim por diante. Os símbolos são normalmente colocados entre colchetes para serem distinguidos das demais letras, principalmente porque vários símbolos fonéticos são as próprias letras do alfabeto romano.

Por se tratar de um alfabeto universal, as várias publicações sobre dicção para o canto (solo ou coral) têm adotado o IPA como referencial teórico.

2.1.3 Timbre

Dos vários aspectos que formam a sonoridade de uma voz e, conseqüentemente, de um coro, o timbre é dos mais determinantes. Para um trabalho de flexibilidade da sonoridade, a variação timbrística é de grande relevância.

A fim de buscar maiores esclarecimentos sobre o timbre vocal, é de grande importância recorrer ao tratado de canto de Manuel P. R. Garcia5. Neste tratado, publicado em meados do séc. XIX, o autor descreveu de maneira científica, pela primeira vez na história, aspectos da produção sonora e do estudo do canto que, até então, pertenciam ao terreno do empirismo.

GARCIA define timbre como as “características próprias e infinitamente variáveis que podem tomar cada registro e cada som, sem considerar a intensidade” (1985, p. 8), abordando a existência de diferentes timbres vocais, ressaltando que “a variedade dos timbres resulta, inicialmente, dos diferentes sistemas de vibração da laringe e, em seguida, das modificações que a faringe imprime a esses sons produzidos” (loc.cit.). Para ele, “as modificações de timbre se produzem todas por dois meios opostos, podendo, em última análise, se reduzir a dois principais: o timbre claro e o timbre escuro” (Ibid, p. 9). Segundo Pacheco (2004, p. 94), ao tratar de tal tema, o autor “não toma partido de um tipo específico de timbre, explicando e aconselhando o uso de ambos.” Garcia ainda define e descreve os efeitos dos timbres nos registros vocais e também os explica de forma fisiológica:


Observemos que a modificação mais sutil no timbre traz necessaria-mente uma mudança na posição da laringe. Alguém pode se convencer disto experimentando passar sobre todos os sons alternadamente, desde o timbre mais aberto até o mais escuro, e verá a laringe tomar posições progressivamente mais altas ou mais baixas, em razão da clareza ou da escuridão do timbre. Observemos ainda que, nestes dois timbres que nos ocupam, os diferentes graus de intensidade adicionados aos sons não trazem nenhuma modificação sensível nos movimentos dos órgãos da faringe. O efeito contrário se manifesta desde que o cantor experimente alterar, pouco que seja, a nuance do timbre: no mesmo instante o véu palatino se abaixa para o timbre claro, ao passo que o timbre escuro produz a elevação do véu palatino e a ampliação da faringe. Esta ampliação se torna sensível, sobretudo quando o cantor dá a sua voz todo o volume que ela pode comportar, se bem que, por outro lado, os sons saiam desta forma muito fracos; o que merece ser constatado. Este ato de exagerar do volume só pode ter lugar nas condições do timbre escuro e com esforços violentos.” (GARCIA, 1985, 1ª parte, p. 10)

Na descrição dos efeitos dos timbres nos registros vocais o autor afirma que “o timbre claro comunica ao registro de peito muito metal e brilho” e adverte que neste registro, “este timbre levado ao exagero torna a voz gritada e esganiçada.” Ao contrário, explica o autor, “o timbre escuro, dá a esse registro o mordente e a redondeza do som [embora, se] levado ao exagero, encobre os sons, sufoca-os, torna-os surdos e roucos” (Ibid, p. 9).

No tocante ao registro de cabeça, Garcia observa que “o timbre escuro o modifica de maneira mais marcante [e] torna esse registro puro e límpido, como os sons de uma harmônica” (loc.cit.). Quanto ao falsete, o autor diz que “neste registro, o efeito dos timbres, ainda que verdadeiro, é, todavia, menos marcante que no registro precedente” (loc.cit.).

O tratadista também explica didaticamente como um cantor pode obter os diversos timbres por meio dos movimentos da laringe e da faringe. Sobre o timbre claro ele diz que:

Quando se desejar produzir o timbre claro, é preciso primeiramente que a laringe suba proporcionalmente à elevação dos sons e também que o véu palatino seja abaixado e, enfim, que o istmo da garganta se diminua. Assim, ainda que a abertura posterior das fossas nasais se apresente livre, a coluna sonora, devido à direção inclinada que ele recebe da laringe, encontra-se encaminhada em direção à parte óssea e anterior do palato, e a voz, sem tocar as fossas nasais, sai brilhante e pura. É necessário, neste momento, deixar a boca numa forma um pouco horizontal. As vogais a, e, o, abertas à italiana, são modificações do timbre claro que traz esta conformação do órgão [vocal]. O timbre claro é facilitado pela inclinação da cabeça para traz, inclinação que deixa a coluna de ar se direcionar para a saída mais diretamente.” (Ibid, p. 15)

E, a respeito do timbre escuro ele observa que:

O timbre se torna escuro se o cantor fixa a laringe numa posição baixa e levanta horizontalmente o véu do palato. Neste caso, a faringe representa uma abóbada alongada e a coluna de ar que se eleva verticalmente bate contra a arcada palatina sem entrar na abertura basilar, que permanece fechada. O som torna-se mordente, pleno e coberto. É o que se chama de voz mista, escura. [...] A vogal u dá essa disposição ao órgão. Notem que para produzir os timbres escuros, abaixa-se a base da língua.” (loc. cit.)

Para GARCIA “o timbre claro e o escuro devem ser considerados como os dois principais, mas além deles existem muitos outros que emprestam do timbre claro ou do escuro o que há de essencial no seu mecanismo” (apud PACHECO, 2004, p. 99).

No tocante à sonoridade coral, observa-se que o timbre claro dá muito brilho às vozes e ao som do coro como um todo; tem grande poder de alcance; é objetivo e excelente para a afinação. Por outro lado, dificulta a homogeneidade e pode tornar o som áspero em algumas circunstâncias.

O timbre escuro, por sua vez, facilita a homogeneidade e proporciona um som sensível e pessoal, entretanto, dificulta a afinação e a transparência das várias linhas vocais. Não há certo ou errado; o som resultante da somatória dos vários timbres dos cantores de um coro é uma das várias escolhas interpretativas do regente. Entretanto, é importante que o regente esteja atento à saúde vocal de seus cantores e às exigências estilísticas das obras.

2.1.4 O uso do vibrato na música coral: permitir ou não permitir?

Não se pode deixar de abordar neste trabalho, um dos mais polêmicos aspectos referentes à sonoridade coral: o uso do vibrato. Embora não se deva generalizar, há uma tendência atual entre regentes de se usar o mínimo de vibrato possível. O que se alega muitas vezes é que o vibrato tira a “pureza” das vozes e dificulta a obtenção da homogeneidade. Tal posição deveria, entretanto, ser tomada com base na fisiologia da voz e no estudo histórico-estilístico.

Miller acredita que a unificação vocálica garante a homogeneidade do coro e que vozes com vibrato podem, sim, ser equilibradas pelo regente. Ressaltando a diferença entre o vibrato natural e outras oscilações, o autor expõe sua opinião afirmando que:

“Um vibrato uniforme, resultado da função relaxada da laringe, é uma característica inerente do som vocal livremente produzido. Não deveria ser solicitado aos cantores corais retirar a vibração de suas vozes na expectativa de torná-las homogêneas com vozes sem vibrato. Preferencialmente, o regente deveria auxiliar os amadores sem vibrato, por meio de exercícios de ataque e agilidade a acrescentar a vibração natural do canto ajustado. Vozes com vibrato produzidas apropriadamente podem ser equilibradas mais facilmente do que vozes sem vibrato. Naturalmente, se as vozes de um grupo sofrem de oscilação (variação de afinação muito ampla e muito lenta), ou de um trêmolo, [tais] vozes não equilibrarão. Um trabalho técnico adicional particular com tais cantores pode ser necessário.” (MILLER, 1996, p. 63)

É preciso enfatizar que o vibrato é um fenômeno natural da voz. Segundo BRANDVIK, “quando uma pessoa canta livremente com todos os pequenos e grandes músculos do corpo trabalhando juntos para produzir um som musical saudável, enérgico e livre, a voz vai produzir uma pulsação leve e regular chamada vibrato” (1993, p. 167). A habilidade de controle do vibrato é uma parte integral de qualquer boa e saudável linha de técnica vocal. Assim, pode-se dizer que um cantor sem a habilidade de controlar o vibrato – se excessivo ou inexistente – provavelmente ainda não desenvolveu uma técnica saudável.

O cuidado que precisa ser tomado em relação ao vibrato é que este não interfira de forma desequilibrada na frase musical, uma vez que esta deve ser bem direcionada e conduzida de forma clara. Entretanto, o vibrato deve ser desenvolvido pelos cantores e usado como uma importante ferramenta de expressão. Tal aplicação é variável, e o regente deve decidir e orientar seus cantores sobre quando e o quanto o vibrato é apropriado. Brandvik oferece considerações interessantes que podem orientar estudiosos do assunto:


"1. O vibrato deve variar com as dinâmicas: quanto maior o volume, maior o vibrato; de modo inverso, quando menos volume, menos vibrato; 2. O vibrato deve variar com a textura da música: quanto mais densa a textura menos vibrato (para possibilitar que a harmonia seja ouvida mais claramente); opostamente, quanto menos densa a textura, mais generoso o vibrato; 3. O vibrato deve ser relacionado ao período ou estilo da música que estiver sendo cantada. A música renascentista com suas linhas claras, texturas esparsas e harmonias abertas requer um controle criterioso do vibrato. A música romântica com harmonias vibrantes e expressões sonoras cheias geralmente permite um vibrato rico e encorpado.” (loc. cit.).

2.2 Técnicas corais

2.2.1 Homogeneidade e equilíbrio: misturando as vozes

A homogeneidade é um dos mais importantes aspectos coletivos da sonoridade coral e, por isso, precisa ser trabalhada incansavelmente. A busca por alcançá-la internamente nos naipes entre si e no coro como um todo é uma constante no trabalho do regente. Swan chega a afirmar que “a homogeneidade é possivelmente a técnica coral mais necessária e importante; não dá para imaginar um belo grupo vocal sem homogeneidade” (SWAN, 1998, p. 60).

Provavelmente, uma das diferenças mais significativas entre o som de dois coros distintos é o nível de homogeneidade adquirido por cada um. Um som coral absolutamente homogêneo é humanamente impossível de ser atingido, embora existam, em todo o mundo, grupos corais, acadêmicos e profissionais, que atingiram um alto grau de excelência neste quesito técnico. Entretanto, nos coros amadores há uma grande heterogeneidade entre as características vocais de seus cantores, dificultando enormemente a obtenção da igualdade sonora. Por isso, o regente deve aprender a lidar com essa “matéria prima” e moldá-la segundo suas intenções e possibilidades. PFAUSTCH diz que:


"[No coro leigo] algumas vozes são fortes enquanto outras são leves; algumas têm uma qualidade agradável enquanto outras são estridentes; algumas são flexíveis enquanto outras são indóceis; algumas são bem moduladas enquanto outras são ásperas e roucas; algumas têm um grande alcance enquanto outras tem alcance limitado, umas são musicais enquanto outras não são.” (1988, p. 103)

A heterogeneidade enfrentada por muitos regentes ainda está relacionada à diversidade étnica, cultura, intelectual, musical e etária dos vários membros do coro. A tarefa do regente é buscar, em seus conhecimentos vocais, elementos que lhe proporcionem uma “mistura sonora” mais homogênea.


PFAUSTCH (1998, p. 103) acredita que a homogeneidade de um coro será alcançada primordialmente como resultado de uma produção vocal refinada. Para o autor, “na medida em que os cantores aprendem a produzir os sons vocálicos corretamente, eles apresentarão um som mais homogêneo em cada naipe” (loc.cit.). O autor ainda ressalta que “as exigências de alcance e tessitura também são fatores que ajudam ou atrapalham a homogeneidade.” O regente deve trabalhar os cantores também nas extremidades de suas extensões, evitando que forcem sua produção, permitindo que aprendam os ajustes que são necessários para manter a homogeneidade em passagens distantes do centro vocal.

Para Brandvik (1993), regentes e cantores devem estar constantemente atentos a quatro elementos: a altura (afinação), a “cor sonora” de cada vogal, a potência e o volume das vozes e a precisão rítmica do todo. Segundo o autor, trata-se de um processo contínuo que não pode ser limitado ao planejamento de ensaio da primeira semana e depois esquecido. É uma habilidade de escuta, disciplina que deve ser praticada consistentemente.

De fato, será impossível ao regente conseguir um som homogêneo sem uma afinação refinada. É preciso que os cantores sejam treinados para cantar as freqüências o mais similares possível. Da mesma forma, é preciso “afinar” as vogais. Os cantores não devem somente enunciar as vogais como estão escritas no texto, mas tentar obter o máximo em igualdade timbrística, com o mesmo som vocálico.


No tocante ao volume das vozes, Brandvik (Ibid) aconselha que uma voz forte deve exercitar o controle, e uma voz menor deve cantar o mais forte possível com uma produção vocal saudável. O autor ainda chama a atenção do regente para que seja cuidadoso ao posicionar cantores. Ele acredita que posicionar uma voz com pouco volume próxima de uma voz maior pode não ser saudável para o cantor de voz pequena e causar frustração para o cantor que possui uma voz com mais volume.


Apesar dos resultados claros alcançados com o trabalho de homogeneidade timbrística e vocálica do coro, Miller defende que, uma vez que cada voz tem suas próprias características, é muito mais proveitoso investir num trabalho de equilíbrio dinâmico-musical das vozes do que tentar misturá-las de forma homogênea:

Cada instrumento vocal possui suas características timbrísticas únicas. [...] É tão incoerente para o regente coral exigir de todas as categorias de vozes uma qualidade vocal única, quanto para o regente de orquestra solicitar que todos os instrumentos tenham o mesmo timbre. Equilibrar as vozes é uma técnica coral muito melhor do que a irrealizável meta de tentar torná-las homogêneas.” (MILLER, 1996, p. 58)

Na verdade, intimamente ligado à busca pela homogeneidade sonora de um grupo coral, está o trabalho de equilíbrio sonoro do coro. Para se alcançar uma sonoridade equilibrada nas várias obras de seu repertório,

o regente deverá considerar uma série de fatores. De início, pode-se afirmar que a citada heterogeneidade das vozes do coro é um fator complicador, assim como as também mencionadas exigências de alcance e tessitura. Mesmo assim, o regente deverá aprender a exigir dos cantores o que deve ser feito para se produzir uma relação balanceada dos naipes, a partir de mudanças de gradações de intensidade e dinâmica.

Faz-se necessário um bom conhecimento de harmonia e contraponto para lidar com possíveis complicações de equilíbrio das partes, conscientizando os cantores de que, hierarquicamente, a “importância” das linhas vocais é variável. O coralista deve aprender a se escutar, a escutar seu naipe, os outros naipes e o acompanhamento instrumental, se houver. Neste trabalho de equilíbrio – independente do nível técnico do grupo

– será necessário sempre que se façam ajustes na dinâmica para permitir que as linhas mais importantes dominem.

2.2.2 A entonação em conjunto: afinando as vozes

Apesar da importância da homogeneidade e do equilíbrio na sonoridade coral, para muitos regentes, a preocupação mais constante é a afinação. Segundo Marvin:


"De todos os desafios associados à arte de cantar em coro, o de conseguir uma boa afinação é provavelmente o mais fugaz. Enquanto outros objetivos importantes do canto em grupo podem ser atingidos por meios bem diretos e de uma forma relativamente consistente, é geralmente difícil fazer com que um grupo coral cante afinado.” (MARVIN, 2001, p. 26)

Sendo a música uma arte temporal, a afinação precisa ser recriada a cada execução e, “uma vez que os coros atinjam um padrão de afinação satisfatório [em um dado momento], não há garantias de que o farão nova-mente” (loc.cit.).

A busca por uma constante boa afinação é um trabalho contínuo que deve acontecer no dia-a-dia do coro. Esse processo exige do regente uma melhor preparação dos ensaios, pois “o peso da responsabilidade re-cai primeiro sobre o regente no sentido de motivar e ensinar o coro a cantar afinado” (SILANTIEN, 1999, p. 91).

Muitos são os fatores musicais e não-musicais que levam um coro à desafinação, seja no ensaio ou na performance: o nível de percepção auditiva do regente e dos cantores, o grau de preparação do repertório, capacitação técnica variável das vozes, condições climáticas da sala, o ambiente acústico, estado emocional do regente e dos cantores, etc. Silantien (loc.cit.) afirma que “alguns problemas de afinação estão mais ligados a questões de conjunto que a questões vocais individuais; por exemplo, o equilíbrio de acordes, a uniformidade vocálica e a colocação temporal de consoantes sonoras e ditongos.” Para MARVIN (2001, p. 26) “tom e timbre, juntos, definem a entonação.” O autor ressalta que:


"Cantar afinado significa unificar o tom – ou seja, levar as vozes a cantar com freqüências similares e timbres compatíveis. No canto coral, isto significa que um som unificado está associado a uma emissão unificada das vogais. Um timbre vocal dentro de cada naipe unificado por uma emissão vocálica concorde dá lugar a um continuum sonoro integrado, que serve de base para a boa afinação coral. Portanto, tanto as vogais como as notas devem estar afinadas.” (loc. cit.)

Moore observa que problemas referentes a respiração, produção vocálica e afinação precisam ser previstos pelo regente e resolvidos de forma eficaz nos ensaios corais. No que diz respeito à afinação, ele acredita que:


"A solução é que os cantores aprendam as partes vocais tão precisamente e ouçam tão cuidadosa e criticamente que a acuidade na entonação vá além daquela oferecida pelo piano ou pelo diapasão. Essa habilidade, combinada com um alto nível de produção vocal e edificada sobre hábitos apropriados de respiração e atenção detalhada aos sons vocálicos, pode resultar na aquisição de um ‘som desejado’ e uma ‘sonoridade’ que produza uma excepcional qualidade de conjunto.” (MOORE, 1999, p. 52)

2.2.3 Precisão Rítmica

Assim como a homogeneidade timbrística e vocálica caminha lado a lado com equilíbrio dinâmico-musical, o trabalho por uma afinação eficiente, deve estar aliado à busca da precisão rítmica. As idéias musicais de uma obra são construídas dentro de uma organização temporal. Há um movimento seqüencial de tais idéias sonoras, que ordenadas pelo compositor, precisam ser percebidas e controladas pelo regente. Oakley afirma que:

“O regente deve auxiliar o coro a desenvolver um senso comum de ritmo interno que propicie uma organização estrutural ao som do coral. Isto não é tão comum quanto se imagina. Na verdade, um pequeno percentual de conjuntos corais consegue de fato obter um senso de completa unidade rítmica. Infelizmente, isso é causado com mais freqüência pelo fato de que pouquíssimos regentes, e eu ressalto ‘pou-quíssimos’, possuem um domínio pessoal de ritmo interno, segurança quanto ao tempo e sensibilidade rítmica.” (OAKLEY, 1999, p. 112)

Para este autor, talvez “a melhor maneira de o regente desenvolver seu próprio senso rítmico seja auxiliando o coro a desenvolvê-lo” (Ibid, p. 114). Ele observa que:

“Muitas vezes, erros rítmicos não são pecados ligados à ação, mas sim de omissão, já que a maioria dos coros perde a estabilidade do andamento a cada ponto de respiração ou de mudança de frase. O grande mandamento da execução rítmica é: assim como o som é medido, o silêncio também deve ser medido. Cada ponto da frase e cada respiração devem ter uma atribuição rítmica. Muitos coros chegam ao fim de uma frase, respiram em conjunto e cantam a próxima entrada atrasados em relação à pulsação, obliterando, assim, o andamento. Isto não é rubato, isto é falta de disciplina.” (, p. 117)

PFAUSTCH (1998, p. 103) acredita que a homogeneidade de um coro será alcançada primordialmente como resultado de uma produção vocal refinada. Para o autor, “na medida em que os cantores aprendem a produzir os sons vocálicos corretamente, eles apresentarão um som mais homogêneo em cada naipe” (loc.cit.). O autor ainda ressalta que “as exigências de alcance e tessitura também são fatores que ajudam ou atrapalham a homogeneidade.” O regente deve trabalhar os cantores também nas extremidades de suas extensões, evitando que forcem sua produção, permitindo que aprendam os ajustes que são necessários para manter a homogeneidade em passagens distantes do centro vocal.

Portanto, na eterna busca pela excelência na performance coral, essa “mistura sonora unificada” pode ser alcançada a partir de uma proposta timbrística unificada, baseada num trabalho uniforme dos vários aspectos técnicos individuais, na produção adequada dos sons vocálicos, no equilíbrio dinâmico-musical das vozes e na busca de uma afinação refinada, por meio da qual, os cantores devem cantar nas freqüências mais similares dentro da maior precisão rítmica possível.

Notas

Considerando a abrangência de significados e implicações da palavra “sonoridade” é importante esclarecermos que todo este trabalho é dedicado ao que chamamos, no âmbito da musica coral, de “cor sonora”. Não se trata apenas de questões timbrísticas, embora o timbre tenha grande relevância neste contexto. Pretendemos abordar através da referida expressão, o som coral resultante da somatória de elementos técnico-vocais, técnico-corais e estilísticos. Portanto, tanto a expressão “cor sonora” quanto as expressões “qualidade sonora” e “som coral” ou simplesmente a palavra “sonoridade” podem, ao longo deste trabalho, ser empregadas com tal conotação. 2 Lit: “primeira passagem”. 3 Lit: “segunda passagem”. 4 Lit.: Alfabeto Fonético Internacional. 5 GARCIA, M. Traité complet sur l’art du chant. Parte I, 1841; Parte II, 1847. Paris: Minkoff, 1985.

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Angelo José Fernandes Regente, natural de Itajubá/MG. É mestre em Práticas Interpretativas (regência) pelo Programa de Pós-Graduação em Música do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, especialista em regência coral e bacharel em piano pela Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Atualmente é doutorando em Práticas Interpretativas (regência) pelo mesmo programa, tendo como orientadora a Profa. Dra. Adriana Giarola Kayama e como co-orientador o Prof. Dr. Eduardo Augusto Östergren.

Adriana Giarola Kayama Doutora em Performance Practice pela University of Washington, EUA; docente da UNICAMP, atuando nas áreas de canto, técnica vocal, dicção e música de câmara; coordenou os cursos de Graduação e Pós-Graduação em Música da UNICAMP; atualmente, é presidente da ANPPOM - Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música.

Eduardo Augusto Östergren Maestro e professor do Departamento de Música do Instituto de Artes da Unicamp. Responsável pelo curso de regência coral e orquestral, atua também como docente nas disciplinas de história da música medieval e de introdução à pesquisa musical. Foi docente das Universidades da Carolina do Norte, em Raleigh, de Indiana e de Purdue, ambas no estado de Indiana. Participou de seminários sobre Regência Coral e Orquestral em diversas universidades brasileiras e americanas, e foi membro de júri em vários concursos internacionais.